Como era norma do Instituto Granbery, em Juiz de Fora, a cada domingo um aluno ficava de plantão. Num determinado dia em que eu estava escalado, comigo também se encontrava Mr. Moore, o reitor, que deveria falar na Assembléia Geral para os alunos naquela mesma manhã, verificar se tudo se encontrava em ordem e atender algum caso mais urgente dos trezentos internos.
Cheguei cedo e dirigi-me à portaria central; abri a sala e comecei meu plantão. Estava extremamente mal-humorado, o que ficaria ainda pior, ao deparar-me com o acontecido. Alguém entrara pela janela, esquecida aberta, e defecara em cima do telefone que se encontrava sobre a mesa, deixara abertas e reviradas todas as gavetas além de sujar a sala inteira.
Quando Mr. Moore chegou ao colégio, fui chamá-lo em seu gabinete para que tomasse conhecimento do vandalismo. Ele olhou tudo aquilo, fazendo um sinal negativo com a cabeça. Em seguida, tivemos um breve diálogo, mas que nunca mais pude esquecer.
Raivoso, tomei a iniciativa, dirigindo-me a ele: "Vou chamar o Daniel, faxineiro de plantão, para que limpe a sala". Mr. Moore reagiu prontamente: "Não, Elias, não faça isso. Eu mesmo vou limpar - nós não vamos tornar mais gente infeliz". Sem que eu pudesse dizer qualquer coisa, foi ao depósito e trouxe o material necessário para a limpeza.
Muito envergonhado, disse-lhe que me desse o material, que eu mesmo limparia. Ele agradeceu e falou gentilmente: "Vamos fazer isso juntos. Sua ajuda é muito importante, e quando unimos as forças para enfrentar as coisas difíceis elas ficam mais fáceis".
Acabada a limpeza, ele me levou ao seu gabinete e eu, ainda irritado, lhe perguntei: "Mr. Moore, o que vamos fazer para achar e punir esta pessoa tão má?". Com um largo sorriso e seus inesquecíveis cabelos brancos, me disse muito claramente:
- Elias, essa pessoa não é um vândalo e nem é má. Certamente se encontra infeliz. Antes de saber o que vamos fazer com ela, temos de descobrir o que podemos fazer por ela. Creio que, se você concordar, podemos ajudá-la já, orando por ela.
E logo se ajoelhou, sem me dar tempo para que pudesse concordar ou discordar: Orou e pediu que eu também o fizesse.
Não entendi nada de sua oração. Pediu perdão pelo acontecido, rogou que a pessoa que praticou tal ato fosse perdoada e que nos perdoasse também pela raiva sofrida. E mais: pediu orientação para que pudéssemos nos fortalecer com aquele fato, sair de nosso egoísmo e nos preocupar mais com as pessoas em sofrimento.
Após a oração, dirigiu-se a mim amorosamente, pedindo que eu observasse algumas coisas para o meu futuro ministério (eu era candidato a pastor). Suas palavras foram:
Em sua vida, nunca tenha pressa em punir pessoas que, por estarem sofrendo, pecam, mas não são más.
Evite ser instrumento de divulgação de erros alheios e use fatos como esse para desenvolver sua solidariedade.
Evite ser instrumento de divulgação de erros alheios e use fatos como esse para desenvolver sua solidariedade.
Pergunte sempre, inclusive nesse caso, se com seus atos não contribuiu involuntariamente para que tais fatos acontecessem.
É muito difícil, mas necessário e inteligente, que tentemos compreender as razões do outro.
Implore sempre a Deus que perdoe o errado e o ajude a vencer suas falhas.
Saí do gabinete desconsertado, porque descobrir o culpado e puni-lo era tudo o que eu realmente queria naquele momento.
Hoje, passados tantos anos, eu gostaria muito de reencontrar Mr. Moore para falar-lhe: "Muito obrigado pela lição. Suas observações me ajudaram muito nos piores momentos de minha existência e nos grandes conflitos que tenho enfrentado em questões semelhantes".
Poucas coisas são tão estratégicas para o bom convívio quanto tentar entender as razões do outro. Ver o mundo a partir do ponto de vista em que o outro se encontra, sob o modo de ver dele, e assim compreender suas reais razões - que nem sempre são suas por opção, mas que envovem e condicionam o seu ser, ser este, em última instância, histórico, ecológico e envolto na complexa teia da vida.
Elias Boaventura. Desmemórias: a força dos fracos. Piracicaba: Shekinak Editora, 2002 (pp.73-76)
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